segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Pomar

Sinto seu cheiro e respiro fundo,
encho meu pulmão com o ar
perfumado pelo seu fruto.

Esfrego meus lábios na sua
superfície macia e enfio minha língua
na sua carne molhada, adocicada.

Com a sede de um pássaro viajante,
provo da mistura levemente amarga
com um doce estimulante.

Sem parar, freneticamente
devoro seu fruto. Seu corpo,
agora é o meu pomar.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Herança

Não te deixei ouro, nem terra,
muito menos um castelo, ou ao menos
uma carruagem eu te dei.

Não sei se fui capaz de te deixar
sequer uma lembrança que valha a pena.

Mas te deixarei em minha morte, duas vidas,
fragmentos inteiros do mais verdadeiro,
do meu, do nosso amor.

Nunca mais se sentirás só.
Estarei sempre contigo,

através deles, dos nossos frutos,
sem pecados, limpos.

Meu amor,
minha herança.

sábado, 28 de junho de 2008

Perdão

perdoe-me pela soberba,
pela presunção e arrogância.
perdoe-me por duvidar,
por desconfiar de Vós.

perdoe-me por ser ingrato,
por não ouvir-Te,
por não ter visto Teus sinais
e não ter agradecido antes.

e se ainda restar algum perdão
para meus atos, meu egoísmo,
minha falta de humildade,
que me concedas mais esta benção
e que me ponhas de vez a Teu serviço.

perdoai-me, Senhor.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Mulher da vida

essa mulher foi minha,
sua e dele também.
se deitou, se esfregou
e gozou por um vintém.

me olhando, se abriu
e nunca me mentiu.
me deu sua alma, seu gozo,
foi ela quem se iludiu.

nela eu não buscava,
mas foi ali que encontrei
como um rei,
o que eu nunca imaginara:
senti-la minha e que me amava.

mulher minha, sua,
dele, de todos,
mulher da vida.

Inverno de 40 graus

olha, fixa, vira, mexe,
corre, volta, perto, junto,
encosta, toca, respira,
suspira.

inspira, pega, fala, pára,
olha, molha, beija, lambe,
chupa, esfrega, esfrega, molha,
esquenta, arde, cheira,
beija.

entra, sai, entra, penetra,
sai, entra, esfrega, sobe,
desce, penetra, esquenta, molha,
sua, morde, agarra, engole,
embaça, escorre, aperta,
esquenta.

endurece, dói, grita, vira,
pede, cede, arranha, beija,
por cima, por baixo, de lado,
sai, chega, deu!

o corpo em febre
de quarenta graus,
lá fora... faz perto de zero.

é o inverno que passa,
inferno que queima.

sábado, 31 de maio de 2008

Terra vermelha

Nem todos os homens,
ou mulheres, podem te amar.

És a fonte de tanta alegria
e tanta tristeza ao mesmo tempo.

Por ti, já vi e já soube
de tantos que de sangue
resolveram se banhar.

Vermelho, então, é a tua cor
forte e viva como o fruto
que de ti nasce, mas nunca
sem cobrar a devida dor.

Afugentas de ti os mais fracos
só com a visão do orvalho petrificado,
bem cedo pela manhã.

Não fosse o bastante,
sopras tua ira para que tudo corte,
até teus frutos, sem distinção.

Mas depois de escolheres
quem são os merecedores de ti,
entregas fortunas dignas de reis
aos homens e mulheres,
que resolveram habitar teu coração.

És tú, a terra vermelha que sangra,
mas nunca em vão.

Terra do sul, do minuano,
dos gaúchos de coração.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O fuso da vida

Nada pode ser
como já foi.
Ao me levantar
todas as manhãs,
me lembro como você
me sorria.

Olho nos teus olhos
e vejo a vida,
que na tua alma se esvazia
com sofrida melancolia.

Tudo gira, passa,
num único sentido.
Nada volta, ou retorna.
É o fuso da vida,
cuja roda amassa.

E sem ser compreendida,
faz do amor, a dor.
O contrário, o avesso
da vida, a morte.
Da morte, novamente a vida.

Sem minha resposta,
me afasto, me despeço.
Giro a minha roda, meu relógio,
e me lembro do que eu mesmo
já fui um dia.

Vida sem alma

Encabulado, desencorajado, envergado,
desanimado, endividado, acanhado,
envergonhado.

Sofreguidão, perturbação, amolação,
chateação, ralação, humilhação,
solidão.

Sem fé, sem esperança, sem ânimo,
sem dor, sem calor, sem frio,
sem amor.

Acertar, errar, consertar,
errar de novo.

O que sou?
Sou meus erros, acertos, o que faço, fiz,
ou o que sinto?

Sou o que os outros pensam de mim?
Ou devo acreditar que sou o que eu
mesmo acho, o que penso que sou?

O que o espelho mostra?
Quem eu vejo?

Minha vida se perdeu
da minha alma.

Enfim, sigo sem saber
onde vou.

Inté!

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Borboletas Azuis

Não posso ver,
mas sinto a minha volta
a brisa de suas asas,
a música das folhas balançando
e aguardo ela me surpreender.

Atravesso não uma estrada,
nem um caminho, mas a vida.
Essa que me proporcionou
os mais belos sentimentos,
e agora me sacode numa virada.

A cegueira me estimula o olfato,
com ele vejo o que os olhos me enganariam,
e espero pelo meu acordar.
Eu sonho, sonho... e imagino suas cores,
sua forma, e ela voa sobre mim, sem parar.

Finalmente acordo, vejo, enxergo
e me surpreendo, pois não era uma,
mas muitas, milhares, belas,
iluminadas borboletas azuis.

Elas a levaram num dia lindo de sol,
para um paraíso onde as cores brilham
como raios de luz.

Agora, ela é uma delas...
uma borboleta azul que cruzou
a estrada da minha vida.

Linda!

Imã

"Sou um imã que atrai a Divina Prosperidade.
Eu me amo, e me aceito.

Estou sempre Segura e Divinamente Protegida e Guiada.
Relaxo-me sabendo que estou em segurança.
A vida é favorável a mim e eu confio no seu processo.

Eu sou o Poder em meu mundo."

O destino fez com que minha irmã encontrasse esse texto, para nos comunicar o que a "Dindinha" nos teria dito se pudesse tê-lo feito, no lugar de suas palavras mudas, não deferidas durante sua internação no hospital, para nos mostrar e passar pra gente sua confiança na vida.

É isso, hoje foi um dia lindo de sol para que ela pudesse ser recebida com toda luz.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Para o seu aniversário

Existe um tempo para tudo
e devemos viver o nosso,
o das nossas experiências,
sempre de forma intensa, rica.

Mesmo quando estamos sozinhos,
é o tempo que compartilhamos
que torna nossas vidas mais vividas,
mais interessantes.

Agora é tempo de compartilhar,
de declarar amor aos tantos
e aos quantos mais,
tempos de sua vida.


Feliz aniversário!

Reflexão

O que é certo é que somos todos insatisfeitos, e isso é absolutamente necessário. O mundo contemporâneo é construído em torno da idéia de que temos desejos infinitos e extremamente variáveis. Então, somos insatisfeitos e devemos continuar sendo. Aliás, existem muitos aspectos positivos nisso, entre eles a capacidade de encontrar formas de adaptação a situações novas.

É óbvio que não podemos parar de acreditar na felicidade, mas o que importa é ter uma vida interessante, e para isso é preciso que ela seja intensa.

Por exemplo, se você perde alguém querido, o ideal da felicidade diz que você deve fazer o necessário para não sofrer, mas o que interessa é exatamente o oposto, é viver as experiências com a maior intensidade possível - sejam boas ou ruins. Se a vivência for ruim, é porque realmente está na hora de sofrer tudo o que aquele momento pede para ser vivido.

Aprender a amar não é perdurar no amor, mas vivê-lo como uma experiência rica.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Tua presença

Quantas tardes seriam
menos brutas, menos rudes.
Tantas manhãs mais felizes,
todas as noites mais calorosas.

Quantos rios verteriam
suas águas sob meu olhar.
Como passear de bicicleta,
nós nunca nos esqueceríamos.

Quanta dor cessaria,
se tudo o que eu ouvisse
fosse o canto da tua respiração.

E tudo assim ficaria,
para tudo bastaria...

a tua simples presença.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Minhas Palavras

Que as minhas palavras
não te deixem frágil,
mas sensível a elas.

Que as minhas palavras
possam te acariciar
melhor que minhas mãos.

Que as minhas palavras
te toquem, te beijem
mais e melhor que minha boca.

Que as minhas palavras
te olhem, te enxerguem
como nunca meus olhos o fizeram.

Que as minhas palavras
guardem o calor dos nossos corpos,
juntos, durante toda a noite.

Que as minhas palavras
te suportem, te dêem força
sempre que você precisar.

Que as minhas palavras
te acalentem e você possa dormir
como um anjo, serena.

Que as minhas palavras
fiquem impressas nos teus sonhos,
nas tuas lembranças.

Que as minhas palavras
ao teu despertar,
só te falem coisas boas.

E que elas, as minhas palavras,
sejam suas também.

E que elas, as minhas palavras,
te amem, sempre.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Imaginação

Um dia imaginei como seria,
uma saudade, talvez uma lembrança,
daquela mulher que eu queria.

Mas quanto mais eu desejava,
quanto mais eu sonhava,
mais eu a perdia.

Ela não era minha. Não era pra mim.
Tinha um amor igual ao meu,
mas que ela vivia, sentia,
na tristeza da sua ilusão.

Éramos dois a compartilhar a solidão,
a viver da imaginação.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Tenho quase tudo

tenho uma alma,
tenho uma vida,
tenho seu beijo e
já tenho até seu cheiro
na lembrança que te tenho.

tenho um vazio,
tenho me ocupado,
tenho nos procurado,
mas não te acho
ao meu lado.

tenho quase tudo,
mas não tenho a ti.

Não tenho nada,
sem você perto de mim.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

A matemática do tempo

O tempo passa, somamos os dias
divididos em horas,
que multiplicam as semanas
e que logo viram meses
de sentimentos subtraídos.

Na equação da vida,
vivemos a fração do amor,
do dissabor, da dor
gradativa e lenta,
até irmos por inteiro.

Na matemática do tempo,
viramos um átomo de esperança.
Nada mais.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Tô nem aí...

Taí, taí, taí
o que você queria.
Taí o que sentia,
o que te moía.

Taí, só agora viveria

o que você queria,
que pela primeira vez viria
o "não" que me proferia.

Tô nem aí,

tô só,
tô aqui.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Amor verdadeiro

Ela se misturava em meio as outras
e disfarçadamente veio em minha direção,
quando um amigo a apontou.

Não foi o amigo, não foi o andar gracioso
que me chamou a atenção.
Foram os seus olhos - duas gotas de mel
que adoçaram a tarde de verão.

Fiel, me acompanha a todo lugar e
não me cobra, não me pede, só me olha.

Eu já sabia que seria assim,
o seu jeito de me amar.

Então, escolhi como ela deveria se chamar - Mel!
Mel como a cor dos seus olhos, como o seu olhar.

Bem-vinda, Mel.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Alucinógeno

Letargia, nostalgia, leteomania, leteu.
Sedução, sega, sifiloma.
Distúrbio, disfunção, ditirambo.

Última dose

Existem dias em que não valho nada,
não tenho valor algum pra ninguém,
nem mesmo pra mim.

Existem dias em que o vazio me ocupa,
me preenche sem que eu resista,
sem me deixar respirar, sem fim.

Nesses dias, eu não existo.
Minha existência depende dos outros,
não consigo ficar só. Não me suporto.
Me escondo atrás de uma garrafa,

pode ser de Gin.

sábado, 15 de setembro de 2007

Entre iguais

Não vi amor igual,
era puro instinto
que vivia de cheiro,
de gosto, de vício.

Se alimentava
de um sofrer
que parecia imortal,
que era irracional.

Que ainda sobrevive...

Entre iguais.

Vento

As tuas velhas folhas voaram,
mas ficaram teus galhos
a espera dos brotos,
que outras folhas te darão.

Assim, nua, estás mais limpa do que nunca,
do que quando te amei pela última vez.
As tuas raízes agora te sustentam
e teus galhos te guiam para a vida,
para o amor solitário.

És, agora, o meu carvalho,
forte e firme no horizonte.
És a minha referência do norte,
do sul, do leste, do oeste,
do oceano, das montanhas.

És a única razão do meu existir,
pois resististes aos ventos
que portões derrubaram.
Fizestes nosso amor vencer, viver.

És o carvalho,
mas também és o vento.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Cocaine

Quero acabar com a minha auto-crítica,
minha auto-estima,
meu auto-controle.

Quero a agressividade passiva,
a coragem artificial,
o poder enlatado.

Quero eliminar de vez a vontade de amar,
a sede de viver.

Meu corpo está anestesiado.
Minha fome virou insônia.
As certezas viraram pó. Literalmente.

Meus poros sangram e minhas veias saltam.
Em que espelho ficou perdida a minha face?",
escreveu a poetisa.

Meu rosto está perdido
em algum banheiro barato
de alguma balada idiota.

(Marina F.)

domingo, 12 de agosto de 2007

A viagem

Se preparando para partir,
estava sereno e falava, falava,
como nunca me falou.

Desligou dando a certeza
de rever, de revisitar a vida,
a sua eterna morte em vida.

A noite finalmente chegou,
trouxe a paz, o descanso
que eu imaginava, inocente,
alienado de triste ilusão.

O descanso não era meu,
culpado, eu vivia a soberba,
minha pobre pretensão.

Foi-se a paz, interrompida
com a fala embrulhada,
constrangida, pela notícia
de sua partida.

Ele sabia, pois os sapatos brilhavam,
a calça tinha vinco, passada, limpa.
Só o blazer escondia a única pista
que eu tinha: era a camisa, amassada.

Uma a uma, lentamente,
fitando o meu "passageiro",
eu recolhia, as armas,
o combustível de sua nave,
da sua viagem.

Estava tudo pronto, tudo recolhido
e agora eu agradecia, pelas palavras,
por ter sido eu, o último, um irmão,
e eu nem merecia, nem sabia.

Boa viagem, "brow".

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Minha flor

A flor que se abriu é a mesma
que agora murcha em minhas lembranças.
Deixa apenas o desespero
da vontade não atendida, do tesão sem gozo
e do gozo não correspondido.

Ah!, me lembro quando suas pétalas desabrochavam
em velocidade medida, na intenção da sedução,
na busca do vai e vem, do calor que a alimentava
de sonhos e fantasias, acompanhados do sorriso escancarado,
que mais calor gerava.

Procuro a semente dessa flor que nunca esqueço,
do cheiro, do odor que em forma de perfume
em mim ficou impresso, como uma tatuagem,
indelével, colorida e mágica como um caleidoscópio.

Tenho o jardim, o adubo, a água do orvalho
mas, me falta a semente.

Ah!, minha flor... todo dia ali, diante de mim.
Só pra mim. Perdi, não acho sua semente.

Só encontrei uma pétala, no meio do seu diário,
que guardo, murcha, sem cor, sem o perfume.

Ah!, eu grito: minha flor!

Conversando com Deus

De repente me vi falando sozinho, mas na verdade não estava só, descobri que estava com Deus. Perguntava porque as pessoas boas sofrem, porque elas morrem quando menos se espera (ou não se poderia prescindir delas) e porque os homens bons não são imunes ao câncer, à dependência química e tantas outras doenças e vícios que parecem querer acabar com a nossa esperança. Porque as desgraças, as piores doenças, os sofrimentos e os azares não são reservados apenas aos ladrões, às pessoas más, aos corruptos ou assassinos?

Aos poucos, a resposta que parecia nunca chegar ou não existir, que parecia residir apenas na submissão, resignação aos sofrimentos da vida, foi surgindo.

(Como o povo diz, a morte é a única coisa certa que temos desde o dia em que nascemos. Então, encaremos a vida!)

Foi quando percebi que o importante não é como morremos, ou adoecemos, ou sofremos. Não importa o quanto seja ruim este momento. Não importa o quanto pareça trágica, sofrida ou injusta a doença e a morte. Mas o que realmente vale é o que vivemos, o quanto amamos a vida e as pessoas, e quão intensamente aproveitamos os nossos dias – vivos!

As pessoas boas sofrem, adoecem e morrem, mas isso não é o que importa, não é ao que devemos nos ater. Todos nós podemos sofrer, mas nem todos podem ser pessoas boas e felizes. E é isso que o jogo da vida e da morte nos ensina. Nós devemos ser bons em tudo o que pudermos durante a vida, como as pessoas boas o fazem.

O sentimento de injustiça que temos quando estamos diante de uma dificuldade e a célebre pergunta – o que fiz para merecer tamanho infortúnio? – não é relevante, não é o que devemos nos perguntar ou sentir. As doenças e os sofrimentos são fatalidades, são naturais. Não se trata de nenhum julgamento Divino.

Nós devemos encarar a morte de frente! Porque, na verdade, a morte espelha a vida, o sofrimento espelha a felicidade. Quando não sentimos vergonha da nossa vida, do que e como vivemos, encaramos a morte assim, de frente, sem dar as costas para a vida, lado a lado com ela. É da vida que nos orgulhamos, é dela que sempre vamos lembrar. É assim que falamos das pessoas boas.

Os mais velhos, a família e os amigos, todos, estão sempre nos ensinando, mesmo quando não o fazem conscientemente. Eu, por exemplo, aprendi com o esforço de meus pais para nos criar, como é importante darmos o exemplo correto aos nossos filhos. Aprendi com meu irmão do meio o quanto é perigoso não amar a si mesmo. Da vida, da amizade de infância, ganhei o irmão que não tive e hoje, a cada hora, a cada dia, aprendo o quanto é importante viver a vida, amar a vida, desejar a vida, valorizar a vida.

Foi assim que achei a minha resposta, escrita a quatro mãos, com Deus, como deveria ser.


R: O fim, na verdade, é recomeço.

Madrugadas frias

Saem as cores com o frio e
a noite chega, se deita ao meu lado,
espera paciente que eu vacile
para cobrir-me com seu véu.

Inseparável, com ela vem o desalento
da minha inutilidade, a consternação
que acompanha minha alma por horas,
é quando ela se compraz com minhas lágrimas.

Não luto, não vejo, não respiro mais,
me entrego, me deixo dominar, vem o vício,
vem a embriaguez, é o assassínio
dos meus sentidos. Entro em transe.

Desesperançado me encolho buscando
sentir o que não mais é possível tocar,
olhar, cheirar, acariciar ou ver.

Até as lembranças são tingidas de morte-cor.

Tudo se esvai, não resta nem mais a dor,
só fica o frio, muito frio, mas nem ele me toca,
me quer, me olha. Só me resta o desprezo.

Assisto minha morte, não vejo luz alguma.

No escuro, tateio, me agarro, me esfrego,
com a boca procuro os sentidos, os sabores
e suas lembranças.

Em vão, só o amargo me chega. Engulo, mordo para tentar arrancar
um grito, um som. Silêncio, nada, novamente em vão.

Me drogo, me ofereço ao meu algoz e
suplico pelo fim. Prefiro a perda ao nada, ao vazio.
Prefiro a dor da lembrança, ao vazio da desesperança.

Me atiro para a morte e, mais uma vez, não consigo.

Para ela a morte não serve, não termina.
A morte é um caminho que não acaba,
um círculo, levando sempre ao nada, à noite fria.

É inútil.